E depois há o dia em que dizes: a mudança começa hoje!

"Estranho, não é?

Estás com medo? Não fiques triste. É normal teres medo

E acostumamo-nos a ele, como se fosse da casa, e ainda o aconchegamos de noite, embalando-o com quase amor. Aceitamos o medo e vivemos com ele, dentro dele, porque quem não tem medo é imortal. E ninguém é imortal. E esse medo que nos paralisa é o mesmo que nos faz andar. Estranho, não é? Se não fosse o medo que engolimos diariamente, não manteríamos o emprego que detestamos, o casamento que nos sufoca. É o medo que nos mantém a andar, todos os dias, nas mesmas ruas de sempre, e é esse mesmo medo que nos estagna por nos obrigar a passear por elas. Estamos parados porque mantemos a ilusão de que continuamos a caminhar.
Escrevo-vos este texto enquanto danço uma valsa agarradinha ao medo. Luto para não o manter hóspede da casa, para me livrar da besta, mas expulsá-lo não é tarefa fácil. Ele sente-se parte da casa. Danço envolvida nele e tento que não me escolha como par fixo. Queria não depender mais desta dança.
Deixar de ter medo é o desafio maior da minha vida. Sempre que me sinto mais corajosa, o medo aparece, alarmando-me com os seus sintomas. Diz-me que falharei, faz-me duvidar do que já consegui, convence-me a estagnar. As mãos suam, as lágrimas caem sem razão, o apetite desaparece. E hoje estou cheia de medo porque estou a realizar os meus sonhos. Estranho, não é? Quero sair da rua, apanhar outra, mas o medo quer que continue na mesma. O medo diz-nos que não somos capazes, e os outros, os outros que também têm medo, dizem--nos isso também. Dizem-nos que, se tentarmos, perdemos a nossa estabilidade (quando os nossos estados de alma são tão instáveis), falam-nos nas responsabilidades, nos compromissos que assumimos (quando estamos tão descomprometidos com a nossa essência), e enfiam, nos seus discursos aparentemente seguros mas que não são mais do que discursos de medo, a palavra “dinheiro” em todos os espaços que conseguirem.
“Estás com medo? Não fiques triste. É normal teres medo.”
A música ainda se ouve e a dança continua, mas enquanto escrevo desembaraço-me, aos poucos, do abraço do medo. Sinto-me um pouco mais livre, apesar de ainda não ser o suficiente para me sentir completamente infalível. O medo está sempre presente. Mas não tem de estar. Não acho que tenha de ser normal, que tenha de ser obrigatório. Porque não pode ser comum sentirmo-nos com coragem, com convicção? Porque nos dizem que a vida é feita para ser temida, que os sonhos são para ser hobbies, que as coisas são como são e que nada mais podemos fazer do que caminhar nas ruas de sempre?
“Estás com medo? Livra-te disso. Não precisas de ter medo. Tu és o que quiseres ser.”
Enquanto vos escrevo começo a convencer-me de que é possível, que o medo é desculpa, que a nossa vontade é maior, que o mundo não foi feito para nos tramar. Começo a dançar sozinha porque sozinha nasci e vejo o medo ali, no canto da sala, à procura de par. Porque ainda há quem acredite que é normal dançar com o medo e não é normal dançar sozinha.
Acabo este texto comprometendo-me a livrar-me desta relação destrutiva. Afinal, hoje acordei numa rua desconhecida e não pretendo temê-la. Vou explorá-la com confiança, como se sempre tivesse pertencido aqui.
Escrevo-vos este texto enquanto estou no Brasil, debaixo de um sol abrasador, debaixo de uma vontade abrasadora. Vim falar a este país de “Cancro com Humor”. E eles não fazem a mínima ideia de quem sou, nunca ouviram o meu nome e não sei se gostarão deste insano projeto. Vou dizer-lhes o que faço, vou mostrar-lhes o que faço, falando-lhes ao coração, com verdade e humor, porque acredito que os sobreviventes e os doentes têm uma palavra a dizer sobre a vida que lhes foi imposta pela doença. E que podem escolher não sobreviver a uma vida imposta, mas sim viver, com escolhas próprias, uma vida que pode ser absolutamente inspiradora. Despeço-me de vocês e vou lá provar-lhes... nada. Não vim aqui provar nada a ninguém. Vim aqui apenas mudar de nome: quero tanto chamar-me Marine Sem Medo."


nota_ destaques meus

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